Durante os testes normais do 'Refletor', Clara estava concentrada nos monitores à sua frente. A sala estava silenciosa, exceto pelo som suave dos ventiladores a arrefecer o equipamento. Era um ambiente familiar, mas desta vez sentia uma tensão no ar, como se algo de imprevisto estivesse prestes a acontecer. Assim que pressionou o botão de confirmação, os dados começaram a fluir para o sistema. No entanto, Clara não estava apenas a observar; ela estava profundamente absorta nas suas próprias memórias enquanto a interface do 'Refletor' projetava imagens do que poderia ser uma nova abordagem para a tecnologia. Subitamente, um erro de programação surgiu, como um relâmpago que rasgava a escuridão da sala. Um estampido eléctrico ecoou, e a luz piscou. "O que é que se passa?" murmurou Clara, enquanto a sua mente tentava processar a falha. Ela rapidamente verificou os códigos e as sequências de operação, mas, para seu espanto, aquilo que encontrou não era apenas um erro—era uma falha no sistema que lhe permitia influenciar as memórias de outrem. A ideia de alterar as lembranças dos outros era tanto assustadora quanto fascinante. A sua curiosidade cresceu. "Se eu conseguir controlar as memórias dos outros, talvez consiga também entender os meus próprios traumas," pensou. O desejo de descobrir vestígios do seu passado obscurecido tornou-se mais forte, e uma luz de determinação acendeu-se dentro dela. Clara decidiu experimentar. Com um impulso quase desesperado, seleccionou um conjunto de dados que pertencia a um colega de laboratório, Miguel. "O que é que eu tenho a perder?" questionou-se, enquanto se preparava para activar o dispositivo. Quando carregou no botão, Clara sentiu uma onda de energia a percorrer o seu corpo, enquanto as memórias de Miguel começavam a fluir diante dos seus olhos. Ela podia ver flashes de momentos significativos da sua vida, desde a sua infância até ao presente. Clara sentiu um nó no estômago; era como se estivesse a invadir a privacidade de alguém. "Isto é arriscado," sussurrou, mas a emoção que a guiava era forte demais para resistir. Tentou focar numa memória específica, um momento traumatizante de Miguel. O que ela não esperava era que, ao tentar alterar uma única lembrança, fragmentos da sua própria história começavam a emergir da penumbra. As suas próprias experiências começavam a entrelaçar-se com as de Miguel. Clara viu-se a reviver momentos que nunca pensara que poderia recordar—o rosto da sua mãe, as lágrimas que não chorou, as conversas que nunca teve. "Que tipo de poder é este?" questionou-se, agora começando a compreender a grave responsabilidade que vinha com a sua descoberta. Entre as emoções contraditórias, um sentimento profundo de angústia começou a tomar conta dela. "Eu não sou a única a ter o poder de mudar o que já não pode ser alterado," reconheceu, enquanto ponderava sobre as implicações éticas do que estava a fazer. O simples acto de influenciar as memórias alheias tornava-se um manipular do passado, algo que podia facilmente desvirtuar o presente. Com um coração pesado, Clara desligou o 'Refletor'. Precisava de tempo para pensar. "Que identidade é que eu própria quero alterar?" interpelou-se, confrontando a realização de que tinha imensas questões sem resposta acerca de quem realmente era. Era uma marionete das suas próprias memórias, presa num sistema que a impedia de ser quem desejava ser. Esta descoberta não era apenas sobre Miguel ou as falhas do 'Refletor'; era uma revelação sobre ela própria. "Isto não é um jogo," decidiu, antes de se levantar da cadeira, ainda a sentir os ecos daquela experiência intensamente vívida. A sua luta interior acabara de começar, e ela sabia que precisaria de estar preparada para o que viesse a seguir. O 'Refletor' não era apenas uma ferramenta de controlo; era uma porta entreaberta para o desconhecido, e Clara estava decidida a descobrir o que mais se escondia por trás daquelas memórias apagadas.