O outono começava a adornar as árvores com tons de laranja e vermelho. Ana e Miguel encontravam-se na biblioteca depois das aulas, como de costume. Desta vez, estavam sentados num canto mais isolado, cercados por pilhas de livros e cadernos rabiscados.
"Olha, Ana," disse Miguel, interrompendo o silêncio confortável, "sobre aquela história que falámos em escrever juntos... Pensei talvez numa cena, onde a protagonista encontra uma carta antiga que faz com que ela reviva um amor do passado."
Os olhos de Ana brilharam.
"Adoro essa ideia! Podemos começar com ela a encontrar a carta num sótão empoeirado, com a luz do entardecer a entrar pelas frestas das telhas."
Miguel riu suavemente, dando-lhe uma folha de papel onde tinha esboçado algumas ideias. As suas mãos tocaram-se brevemente, e Ana sentiu um pequeno arrepio.
"Sinto-me tão inspirada quando estou contigo, Miguel. A sério, isto é algo especial." Ana disse, com um sorriso tímido.
Miguel desviou o olhar por um instante, como se procurasse as palavras certas.
"Ana, eu também gosto muito... muito da nossa amizade. Mas... há algo que preciso dizer-te."
A expressão de Miguel tornava-se séria, e Ana sentiu o coração apertar.
"O que é, Miguel?" Perguntou, a voz um pouco trémula.
Ele respirou fundo antes de continuar.
"Antes de vir para esta vila, passei por algo complicado. Havia alguém de quem eu gostava muito, mas acabou mal. Desde então, tenho tentado manter uma certa distância emocional... para não me magoar novamente."
Ana sentiu um nó na garganta, mas tentou sorrir.
"Compreendo, Miguel. A última coisa que quero é magoar-te. Mas também sei que não podemos controlar os nossos sentimentos."
Miguel olhou para ela, e por um momento, ambos ficaram em silêncio, imersos na profundidade daquela conversa. A atmosfera entre eles estava carregada de emoções não ditas.
"Vamos escrever?" interrompeu ele, tentando mudar a dinâmica da conversa.
Com um aceno de cabeça, Ana concordou, e os dois mergulharam nas suas notas, mas o pensamento persistente de que algo mais profundo estava a acontecer entre eles não os deixava concentrar totalmente.
Alguns dias depois, Miguel e Ana encontraram-se no café de esquina, um ponto habitual para se refrescarem após longas sessões na biblioteca. Estavam sentados à janela, observando as folhas caírem das árvores.
"Lembras-te do nosso primeiro dia aqui?" Perguntou Ana, com um sorriso nostálgico. "Nunca pensei que encontrar alguém como tu fosse possível."
Miguel olhou para ela, os olhos brilhando com uma mistura de carinho e tristeza.
"Nem eu, Ana. Tu ajudas-me a ver o mundo de uma maneira diferente. Mas receio que o passado ainda me assombre."
Ana estendeu a mão e tocou na dele, um movimento corajoso e ainda assim carregado de ternura.
"Miguel, sei que é difícil... mas talvez, juntos, possamos seguir em frente. Não pretendo pressionar-te, mas acho que temos algo especial aqui."
Pela primeira vez, Miguel não retirou a mão. Em vez disso, segurou-a com suavidade, a expressão nos seus olhos suavizou-se.
"Ana, estou a tentar. Realmente estou. E tu fazes com que eu queira tentar ainda mais."
Com o coração acelerado, Ana sorriu calorosamente. Era um pequeno avanço, mas significava muito.
Os dias seguintes foram uma dança delicada entre momentos de proximidade e tentativas de Miguel em manter uma distância segura. Ana, contudo, estava determinada a mostrar-lhe que o passado não precisava definir o presente. caminhavam lado a lado, as suas conversas tornaram-se mais profundas, tocando memórias, desejos e até cicatrizes.
Certa tarde, enquanto passeavam pelo parque, Ana sentiu uma necessidade súbita de partilhar algo mais íntimo.
"Miguel, lembras-te de quando te disse que escrevo alguns contos?" Perguntou, a voz trémula.
"Sim, claro," respondeu ele, intrigado.
Ela parou de caminhar e, com um toque hesitante, entregou-lhe um pequeno caderno de capa azul.
"Este é o meu caderno de contos. Gostaria que lesses um deles. Acho que, de certa forma, ele fala sobre nós."
Miguel aceitou o caderno, visivelmente tocado pelo gesto. Folheou as primeiras páginas e começou a ler, com Ana observando ansiosamente cada reação.
À medida que ele avançava na leitura, Ana viu como as emoções passavam pelo rosto dele — surpresa, ternura, empatia. Finalmente, Miguel fechou o caderno e olhou para ela com uma expressão de profunda admiração.
"Ana... é lindo. E compreendi cada palavra. És uma escritora incrível."
Ela corou com o elogio, mas sentiu-se mais conectada a ele do que nunca.
"Obrigado, Miguel. Significa muito para mim que o tenhas lido. E sabes, acho que também estou a aprender a lidar com o meu próprio passado, ao partilhá-lo contigo."
Ele deu um passo em direção a ela, fechando a pouca distância que os separava.
"Ana, com o tempo... acho que posso aprender a deixar o passado para trás. Contigo."
E naquele momento, enquanto as folhas de outono caiam em redor deles, aquilo que começara como uma amizade crescia em algo mais profundo e cheio de possibilidades. Era um novo capítulo nas suas vidas, uma oportunidade de curar feridas antigas e criar algo verdadeiramente especial, juntos.