O som do folhear de documentos enchia o ar do Café Alfama, criando uma sinfonia de papel que contrastava com os suaves murmúrios dos poucos clientes presentes. Rui e Sofia estavam sentados numa mesa no canto, mergulhados num mar de relatórios e artigos de jornal espalhados ao seu redor.
"Estes são apenas alguns dos casos," disse Sofia, empurrando um conjunto de recortes para Rui. "Tudo começou há cerca de seis meses. Pessoas a desaparecer sem deixar rasto, sempre à noite e nas mesmas áreas da cidade. Ninguém consegue encontrar um padrão claro, mas há algo que me deixou inquieta."
Rui pegou nos documentos, examinando-os com um olhar crítico. Fotografias e nomes das vítimas saltavam das páginas, cada uma mais jovem e com uma vida mais promissora do que a anterior.
"Este aqui menciona uma testemunha," observou Rui, apontando para um parágrafo destacado. "Ela viu algo nas sombras, algo que descreveu como... olhos brilhantes?"
Sofia acenou afirmativamente, a expressão grave. "Sim, e essa mesma descrição aparece em vários relatos. Olhos que reluzem numa tonalidade azul intensa, quase hipnótica. As pessoas desaparecem logo a seguir."
Rui franziu o cenho e encostou-se na cadeira, tentando alinhar os pensamentos caóticos. A parte racional da sua mente lutava contra a aceitação de tal fenómeno, mas uma outra parte, mais profunda e antiga, estava a tremer de reconhecimento.
"E então, encontraste alguma ligação entre eles?" perguntou ele, tentando ignorar o nó de ansiedade que se formava no estômago.
Sofia hesitou por um momento, antes de retirar um envelope castanho do fundo da sua bolsa. "Existe algo mais. Um amigo meu, que trabalha num arquivo antigo, encontrou referências a um artefacto. Algo chamado 'O Olho de Orion'. E parece que tem algum tipo de ligação com estes desaparecimentos."
Rui pegou no envelope e abriu-o com cuidado. Dentro, encontrou uma série de fotocópias de manuscritos antigos, repletos de símbolos esotéricos e descrições detalhadas, mas vagas, do artefacto.
"O Olho de Orion," murmurou ele, sentindo o peso das palavras nos lábios. "Pelo que está aqui, é um objecto de grande poder, capaz de conectar o nosso mundo a outros planos de existência. Isto parece mais uma lenda do que qualquer outra coisa."
"Eu sei que parece," respondeu Sofia, a sua voz carregada de urgência. "Mas é a melhor pista que temos. E tu sabes tão bem quanto eu que as lendas têm uma base de verdade. Precisamos descobrir o que é este objecto e como está relacionado com os desaparecimentos."
Rui respirou fundo, sentindo o peso da responsabilidade a apertar-lhe os ombros. A sua relutância inicial estava a desvanecer-se, substituída por um sentido de dever antigo e profundo. Sofia tinha razão. Não podiam simplesmente ignorar as pistas e deixar as pessoas ao seu destino.
"Muito bem," disse ele finalmente, num tom decidido. "Vamos investigar isto juntos. Mas preciso que sejas honesta comigo, Sofia. Qual é o teu envolvimento nisto? Porque é que isto te preocupa tanto?"
Sofia mordeu o lábio inferior, visivelmente hesitante. Após um momento de silêncio, ela falou.
"Depois da universidade, juntei-me a uma organização dedicada a estudar e combater o sobrenatural. Durante anos, recolhi informação e lutei contra ameaças que a maioria das pessoas nem imagina que existem. Esta missão é pessoal para mim, Rui. Algumas dessas vítimas... eram colegas meus."
Rui ficou em silêncio, assimilando a revelação. As peças do quebra-cabeça começavam a encaixar-se. Finalmente, ele encontrou as palavras.
"Então estamos juntos nisto," disse ele, estendendo a mão para a amiga. "Vamos descobrir o que está a acontecer e pôr um fim a isto."
Sofia apertou a mão de Rui, um sorriso ligeiro a quebrar a tensão no rosto. "Obrigada, Rui. Sabia que podia contar contigo."
Enquanto começavam a organizar os documentos e a elaborar um plano, a atmosfera no Café Alfama tornou-se mais densa, como se a própria cidade de Lisboa estivesse a aguardar a próxima etapa da aventura. Nas sombras, antigas forças despertavam, e o destino dos inocentes dependia agora de dois antigos amigos prontos para enfrentar o que quer que viesse das trevas ocultas.