O sítio funerário

O amanhecer despontou sobre Valenora como um manto de mistério e promessas não cumpridas. Francisco encontrava-se de pé na margem do sítio funerário, uma área marcada por uma calmaria inquietante, rodeada por árvores que pareciam escutar os seus pensamentos. Com o corpo envolto em roupas de trabalho e uma pala para se proteger do sol teimoso, olhou para as escavações que começavam a desenhar-se diante dele como um quebra-cabeças à espera de ser montado.

Ele recrutou alguns moradores da aldeia para lhe ajudar na escavação. Embora relutantes, as expressões cansadas e receosas dos aldeões mudaram ligeiramente quando Francisco começou a preparar as ferramentas. A desconfiança que sentiam por ele parecia dissipar-se em pequenas doses, como a névoa que se desfaz na luz do dia.

“Apenas vamos dividir o trabalho," disse Francisco, alisando a terra com a pá e observando as franjas de vegetação que a cobriam. "Se conseguirmos descobrir histórias aqui, pode ser benéfico para todos nós.”

Um dos aldeões, um homem de idade avançada, resmungou para os outros: “Essas histórias são melhor deixadas onde pertencem – na terra.” Mas Francisco ignorou o aviso e continuou a escavar, determinado a desenrolar os segredos enterrados.

Depois de várias horas de escavação, Francisco descobriu ossos humanos – fragmentos de uma antiga civilização que haviam estado adormecidos por séculos. A sensação era estranha, como se ele estivesse a lidar com algo mais do que simples restos mortais; era como se as almas dessas pessoas o observassem, esperando que a verdade fosse revelada.

Assim que a luz do dia começou a esmorecer, ele sentiu um arrepio ao longo da espinha. Visões começavam a assediá-lo – fragmentos de memórias de vida, rituais e celebrações que se desenrolavam diante de seus olhos cerrados. Ele viu uma jovem, seu rosto iluminado por risos, e a escuridão a seguir, como se algo tivesse ocorrido. Cada visão era acompanhada por ecos de vozes distantes, sussurrando segredos que faziam o seu coração acelerar.

“Francisco...” uma voz suave chamava-lhe, porém não podia identificar a origem. Ele sabia que havia um significado profundo por trás daquele chamado.

De repente, a sua pá encontrou resistência, não um osso, mas um metal frio. Ao desenterrar o objeto, Francisco revelou um medalhão trabalhado, adornado com símbolos que mais tarde reconheceria como pertencentes à jovem que aparecia em suas visões. O medalhão resplandeceu à luz do sol poente, e naquele momento tudo se tornou claro.

“Este pertenceu a ela,” murmurou, admirando o artefacto como se este pudesse responder-lhe. Lembrou-se das lendas que ouvira na pousada, da jovem cuja vida fora interrompida tragicamente. A conexão com o passado tornava-se cada vez mais intensa, e ele não podia ignorar que a chave para entender os fenômenos que surgiam à sua volta estava entrelaçada com a vida dessa jovem.

“O que aconteceu contigo?” questionou em voz alta, como se esperasse uma resposta que ecoasse na terra. E, num gesto quase involuntário, colocou o medalhão ao redor do pescoço, sentindo uma ligação inexplicável com o passado.

O céu escureceu de repente, como se as nuvens se unissem para encobrir a sua descoberta. Um vento forte varreu o sítio, e o sussurro voltou, agora uma sinfonia de chamadas, desesperadas e implorativas. Francisco sabia que estava prestes a mergulhar ainda mais fundo na história obscura de Valenora, rodeado pela presença espectral da jovem que o guiava através dos ecos do passado.

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