Ao cruzarem a soleira, uma onda de nostalgia percorreu o grupo, como se tivessem entrado numa fotografia desbotada de um tempo esquecido. A sala de estar parecia intacta, como se os seus ocupantes a tivessem abandonado de repente. Móveis de estilo vitoriano cobertos de poeira enchiam o espaço. Um grande sofá com tecido rasgado ocupava o centro da sala, virado para uma lareira apagada. Perto da janela, pesadas cortinas de veludo escarlate bloqueavam o que restava da luz do dia.
Clara foi a primeira a quebrar o silêncio. "Porque é que está tudo... como se alguém tivesse estado aqui ontem?"
Pedro revirou os olhos. "Estamos num cenário montado. Isto é tudo uma encenação. Alguém deve estar a brincar connosco."
Enquanto os dois discutiam, Isabel aproximou-se de um quadro na parede. Era uma pintura de família, representando três figuras humanas – presumivelmente o senhorio, a sua esposa e uma criança. No entanto, algo perturbador chamava a atenção: os rostos das figuras estavam todos riscados, como se alguém tivesse arranhado o quadro com unhas afiadas. Isabel sentiu um arrepio subir-lhe pela espinha. “Há algo errado aqui...”
De repente, o quadro começou a mexer-se. As figuras, antes estáticas, agora moviam-se, como numa gravação antiga. A criança da pintura, cujos olhos estavam riscados, levantou o braço e apontou na direção de Lucas, que estava mais afastado do grupo. Ele recuou instintivamente, o seu corpo rígido como se estivesse a preparar-se para uma batalha.
Rui, que até então mantivera uma postura calma, deu um passo à frente. "Isto não é possível... é uma ilusão," murmurou, mais para si mesmo do que para os outros.
Mas antes que pudessem reagir, a lareira apagada acendeu-se subitamente com um estalido, cuspindo chamas azuis. O sofá começou a mover-se, arrastando-se pelo chão como se tivesse vida própria. As cortinas voaram como se um vento invisível tivesse entrado na sala.
“Corram!” gritou Lucas, empurrando o grupo em direção à porta oposta.
Enquanto o caos tomava conta da sala, os móveis agitando-se descontroladamente, o grupo conseguiu atravessar a sala de estar, escapando pelas portas de carvalho que conduziam à divisão seguinte. As portas bateram atrás deles com um estrondo, encerrando o som das chamas e dos móveis a colidir.
Isabel estava sem fôlego, encostada à parede do corredor. "Não era uma ilusão", murmurou, olhando para as suas mãos tremendo.
Pedro, sempre o cético, estava demasiado abalado para dizer uma palavra.
"Este lugar está vivo", disse Lucas, a voz firme, mas os seus olhos revelavam o terror crescente. "E não vai deixar-nos sair sem lutar."